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Tommaso Buscetta no Maxiprocesso

Tommaso Buscetta, o mafioso que quebrou a omertà e contribuiu com a Justiça italiana, mandando centenas de mafiosos para prisão.


Tommaso Buscetta durante o Maxiprocesso
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Autor: Eudes Bezerra
5 minutos
Tommaso Buscetta durante o Maxiprocesso
Tommaso Buscetta, conhecido como o “chefe dos dois mundos”, tenta permanecer incógnito durante o Maxiprocesso. Créditos: autoria desconhecida / Montagem: Eudes Bezerra

Tommaso Buscetta, o mafioso que contribuiu com a Justiça italiana, mandando centenas de mafiosos para trás das grades ao quebrar a Omertà – o código de silêncio da Cosa Nostra. 

Ex-membro da Cosa Nostra, a Máfia siciliana, Tommaso forneceu provas e conexões imprescindíveis para que o Maxiprocesso fosse instaurado e processado. Durou quase dois anos (1986-87) e resultou em 19 prisões perpétuas com outros 2.665 anos de prisão.

‘Não estou arrependido, sou apenas um homem cansado e atormentado que, tendo atingido um certo ponto da vida, com um certo amadurecimento da experiência e da capacidade de julgar, percebeu em que se transformou a Máfia e se convenceu a ajudar a justiça a desmantelá-la’. (MAIEROVITCH, 2021, p. 25)

Boa leitura!

TÓPICOS SOBRE TOMMASO BUSCETTA NO MAXIPROCESSO

1. Um pouco sobre Tommaso Buscetta
2. Tommaso Buscetta no Brasil — a Conexão Pizza
3. Tommaso Buscetta no Maxiprocesso
4. Vendetta da Máfia siciliana: Giovanni Falcone dinamitado
5. Morte de Tommaso Buscetta
Referências

UM POUCO SOBRE TOMMASO BUSCETTA

Buscetta, o homem de aço da Máfia, mostrou-se difícil de ser destruído sobrevivendo aos riscos inerentes da profissão.

Começou aplicando pequenas fraudes e trabalhou como picciotto (soldado de patente baixa, um executor da Máfia; “homem do botão”).

Sobreviveu às duas grandes guerras da Máfia ocorridas entre as décadas de 1960 e 1980, quando, por ocasião do resultado da última, a Segunda Guerra da Máfia, desembarcou no Brasil.

Nem a ingestão de cicuta em uma tentativa de suicídio, quando o seu lado saiu derrotado da Segunda Guerra da Máfia, foi o suficiente para encerrar a vida de Tommaso Buscetta.

TOMMASO BUSCETTA NO BRASIL — A CONEXÃO PIZZA

No Brasil, Tommaso gerenciou a chamada Conexão Ilhabela (Conexão Pizza), onde foram realizados os primeiros grandes empreendimentos de tráfico de drogas no Brasil, que era feito de “corredor” do tráfico de drogas com destino aos EUA.

Aqui, no Brasil, preso em 24 de outubro de 1983, foi extraditado para a Itália em 1984.

No Brasil, foi acompanhado pelo juiz antimáfia italiano, Giovanni Falcone, com o suporte do juiz responsável pelo sistema carcerário de São Paulo, Walter Fanganiello Maierovitch.

Ambos os juízes se encontraram na delegacia da Polícia Federal em Higienópolis, em São Paulo Capital, onde jantaram e discutiram assuntos sobre a segurança e extradição de Tommaso Buscetta.

Após a extradição bem-sucedida de Tommaso Buscetta, os inúmeros relatos confidenciados a Giovanni Falcone proporcionaram um duro golpe contra a Máfia siciliana, a Cosa Nostra.

Embora Tommaso tenha o apelido de “chefe dos dois mundos” por suas relações dos dois lados do Atlântico (Itália e Brasil), sempre foi um soldado, nunca chefe no quadro da Cosa Nostra.

Era, sem dúvida, um membro respeitado no sentido mais fiel dos chamados homens de honra (como chamam uns aos outros os mafiosos da Cosa Nostra).

TOMMASO BUSCETTA NO MAXIPROCESSO

Ao aderir à delação premiada sob proteção dos Estados Unidos e da Itália, tornou-se o inimigo número da Máfia de seu tempo.

No tribunal, em Palermo, Tommaso postulou proteção pessoal e a de sua família no Brasil. Todos foram levados pelo serviço de proteção norte-americano aos EUA.

Era justo seu receio: A Máfia matou mais de uma dúzia de parentes, incluindo os dois filhos do primeiro casamento, o irmão e o genro.

Nenhum dos familiares de Tommaso pertencia à Cosa Nostra, uma clara quebra da omertà que protegia familiares de mafiosos.

Os sanguinários corleoneses, sempre dizia Buscetta, tinham atentado contra uma regra secular: aquela que não permitia matar parentes de mafiosos não pertencentes à organização criminosa.

Buscetta considerava os corleoneses traidores e isso o autorizava, como concluiu depois, a descumprir a omertà, que é a lei mafiosa do silêncio. (MAIEROVITCH, 2021, p. 25, grifo autoral)

Tommaso Buscetta protegido no Tribunal de Palermo, Sicília, Itália. Mesmo com a construção de uma verdadeira fortaleza subterrânea para o processamento do Maxiprocesso, todo cuidado era pouco, pois com a Máfia não se tem segunda chance. Créditos: autoria desconhecida / Imagem captada pela imprensa italiana.

Outro fato intrigante à nebulosa trama, Buscetta, antes de iniciar as suas confissões a Giovanni Falcone, fez um alerta.

Primeiro, tratou que não falaria sobre as ligações da máfia com políticos para evitar que “tudo acabasse em pizza”.

Depois, em um segundo momento, que só e somente se reportaria ao juiz Giovanni Falcone, siciliano como ele, e que, ao tomar conhecimento do que lhe seria dito, estaria condenado à morte pela Cosa Nostra.

A sentença de morte da Máfia é sempre cumprida, cedo ou tarde. A máfia não esquece nunca, tem memória de elefante.

VENDETTA DA MÁFIA SICILIANA: GIOVANNI FALCONE DINAMITADO

Após o processo e a vitória da Justiça da Itália contra a Cosa Nostra, a máfia dinamitou Falcone em 23 de maio de 1992. Junto com Falcone, encontravam-se agentes de sua escolta armada e a sua esposa.

Buscetta, em homenagem ao mártir da justiça, revelou ligações da Máfia com a política.

Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro da Itália e senador vitalício da Itália, também foi para o banco dos réus por suas conexões com a Máfia, incluindo um “favor” — um assassinato realizado pelos sicilianos na década de 1960.

Em um caso repleto de mistério, o mais alto tribunal italiano condenou Andreotti por associação mafiosa.

Entretanto, em face da incrível demora em processá-lo e da idade avançada do ex-premier, ocorreu a prescrição pelo crime a que respondia.

Assim, Andreotti foi liberto para dispor de sua cadeira na tribuna dos Senadores Vitalícios da Itália cheirando à impunidade.

Conforme pensado e relatado alguns anos antes por Tommaso Buscetta, o caso “acabou em pizza”.

Sobre a sua confissão, Tommaso teria dito:

Levarei a certeza de que errei na previsão que fiz junto com o juiz Giovanni Falcone, a quem tiraram a vida.

A Máfia hoje desempenha um papel maior do que tinha no passado, porque a máfia se tornou um fato político. (MAIEROVITCH, 2014, s/p)

MORTE DE TOMMASO BUSCETTA

Tommaso Buscetta, depois de “usar” muitos rostos — plásticas para escapar da máfia — e ter sido caçado em três continentes pelas polícias e principalmente pelos sanguinários corleoneses, teria dado o seu último suspiro em 4 de abril de 2000.

Tinha 72 anos e perdeu a sua última batalha para o câncer depois de lutar por três anos.

Sua vida tão minuciosamente planejada deixou mistério, mesmo depois de sua morte: Teria a Cosa Nostra, ou quem sabe o FBI ou a INTERPOL, provocado sua morte?

A certeza é que ele ainda sabia muito e a Máfia tem memória de elefante: Nunca esquece a vendetta.


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BEZERRA, Eudes de O.. Tommaso Buscetta no Maxiprocesso. In Incrível História. Disponível em: << https://incrivelhistoria.com.br/tommaso-buscetta-maxiprocesso-mafia/ >>.

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REFERÊNCIAS PRINCIPAIS:

CAWTHORNE, Nigel. A História da Máfia. trad. Guilherme Miranda. São Paulo: Madras, 2012.

CARTER, Lauren. Os gangsteres mais perversos da História. trad. Magda Lopes. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.

DICKIE, John. Cosa Nostra: História da Máfia Siciliana. trad. Jaime Araújo, trad. João Reis Nunes, Lisboa: Editora 70, 2004.

DICKIE, John. Irmandades de sangue: As origens das máfias italianas. Lisboa: Editora 70, 2016.

FALCONE, Giovanni; PADOVANI, Marcelle. Coisas da Cosa Nostra: A Máfia vista por seu pior inimigo. trad. Luís de Paula. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2020.

MAIEROVITCH, Wálter Fanganiello. Máfia, poder e antimáfia: Um olhar pessoal sobre uma longa e sangrenta história. São Paulo: Editora Unesp, 2021.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2020.

SMITH, Jo Durden. A História da Máfia. trad. Beatriz Medina. São Paulo: M. Books do Brasil, 2015.

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Eudes Bezerra

37 anos, recifense, graduado em Direito e História. Diligencia pesquisas especialmente sobre Antiguidade, História Militar, Crime Organizado e Sistema Penitenciário. Gosta de ler, escrever, planejar e executar o que planeja.

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