Atualidades Giulio Andreotti, o Inoxidável, na Operação Mãos Limpas A raposa da política italiana, o senador vitalício Giulio Andreotti — o homem que resistiu a tudo e todos: Máfia, Justiça e KGB... Nada o levou à prisão. Atualidades • Crime Organizado • Idade Contemporânea • Períodos • Personalidades Autor: Eudes Bezerra Matéria criada em 13 dezembro 2013 Atualizada em 3 junho 2017 4 minutos “Fora as Guerras Púnicas, culpam-me por tudo” — Giulio Andreotti. Créditos: AGF. Na década de 1990, após as confissões de destacados mafiosos e dossiês do serviço secreto soviético (KGB), uma tremenda operação policial expôs um dos maiores escândalos políticos da história recente da Itália, no qual partidos políticos, instituições, empresas e gigantescos esquemas criminosos foram desbaratados. A devassa também destruiu a reputação de pessoas, empresários, funcionários públicos, policiais, militares, mafiosos e altos membros do Vaticano, incluindo clérigos. Em meio à devastação, poucos homens permaneceram inabaláveis: um destes homens era o pequeno, frágil e de palavras enigmáticas Giulio Andreotti, senador vitalício italiano. 1. O pequeno e polido Giulio Andreotti Franzino e cortês, Giulio Andreotti se portava com fala mansa e permeada de provérbios. Nunca alterava a voz nem levanta o punho para esbravejar, ainda que fosse reconhecido como um dos mais poderosos políticos italianos de seu tempo. Por mais de sessenta anos, Andreotti foi uma singular e central figura na política italiana: “Político devoto, que comparecia à missa todos os dias às 7h da manhã e era capaz de conversar com os papas em latim, foi sete vezes primeiro-ministro e 20 vezes ministro. ‘O divino’, ‘o incombustível’, ‘o equilibrista’, entre outras alcunhas, era considerado o homem que administrou o poder na Itália após a Segunda Guerra Mundial, sendo um dos líderes mais influentes da Democracia Cristã.” (Carta Capital, 2013, s/p) Andreotti era conhecido por suas frases. Leia algumas: “É pecado pensar mal dos outros, mas com frequência se acerta”; “Conheço alguns segredos de Estado, mas os levarei ao paraíso. Nunca gostei da política espetáculo”; “O poder desgasta quem não o tem”. Créditos: autoria desconhecida. 2. A Operação Mãos Limpas Na década de 1990, após colher informações de pentiti’s (“arrependidos” da Máfia), incluindo do “chefe dos dois mundos”, Tommaso Buscetta, as autoridades italianas deflagraram a Operação Mãos Limpas: uma implacável investigação, com amplo raio de ação, que atuou em consonância às unidades antimáfia na guerra travada contra o crime organizado desde a década anterior. Nas investigações, até mesmo documentos confidenciais do serviço secreto soviético (KGB) foram utilizados como artilharia no combate ao crime organizado. Durante as investigações, foi descoberta uma lista que prenunciava o vespeiro que daria origem a um dos maiores escândalos da história política da Itália: “incluía 54 membros do parlamento, 12 generais carabineiros, 14 juízes, os chefes dos três serviços secretos, cinco membros importantes da Guarda de Finanças, almirantes, generais, jornalistas, empresários ricos, o pretendente ao trono italiano, Silvio Berlusconi, e Michele Sindona, um financista siciliano que tinha usado subornos e fraudes para tirar 30 milhões de dólares do Banco do Vaticano e de outras instituições financeiras”. (CAWTHORNE, 2012, p. 180) Sobre Giulio Andreotti, desabaram acusações: foi implicado no episódio da morte do jornalista investigativo Carmine Picorelli, em 1979, de vender favores políticos à Máfia desde meados de 1970 e por outros delitos relacionados à política global. 2.1 As consequências da operação policial Como resultado da Operação Mãos Limpas, milhares de pessoas foram investigadas, interrogadas e presas. Em reação ao escândalo, a Máfia ítalo-americana deu início a um processo de literal “queima de arquivo”, a partir do fiel cumprimento das penalidades impostas pela quebra da Omertà (“Lei do Silêncio” mafiosa): centenas de pessoas foram assassinadas e tiveram seus corpos dissolvidos em ácido. Muitos partidos políticos desapareceram e políticos e industriais se suicidaram ao ter seus crimes expostos publicamente. Diversos bancos, incluindo o do Vaticano, caíram sob o crivo das acusações de corrupção. Magistrados como Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, famosos pelo combate ao crime organizado nestes anos, foram vítimas de atentados, e grandes chefões da Máfia presos. Foi o fim da chamada “Primeira República Italiana”. Heróis: os magistrados antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino. Sempre sorridentes e bem-humorados, juntos, forjaram com sangue, coragem e aço o grande símbolo da luta contra a secular Máfia. Foram individualmente dinamitados pela Máfia no decorrer do ano de 1992. Créditos: autoria desconhecida. 2.2 O julgamento de Andreotti, o incombustível: liberdade Apesar do pandemônio, Giulio Andreotti resistiu a tudo e todos: “em 1999, Andreotti, Gaetano Badalamenti e outros foram considerados inocentes do assassinato de Pecorelli. Andreotti também foi absolvido do envolvimento com a Cosa Nostra [Máfia ítalo-americana]. No entanto, a promotoria recorreu e, em 2002, Andreotti e Badalamenti foram sentenciados a 24 anos de prisão pela morte de Pecorelli. Essa decisão foi derrubada pelo Tribunal de Cassação [em 2004]”. (CAWTHORNE, 2012, p. 179, acréscimo nosso) O Tribunal de Cassação — máxima instância da Justiça Italiana — concluiu que Andreotti não tinha qualquer relação com o assassinato do jornalista. Andreotti também se encontrava blindado por ser senador vitalício e contar com mais de 70 anos, o que lhe trazia mais proteção legal: era um homem livre (nunca deixou de ser). 3. Giulio Andreotti como reflexo do poder da Máfia Para muitos, Giulio Andreotti representou o atual poder da Máfia. Capaz de sobreviver a desgastes políticos e conciliar interesses antagônicos, o homem franzino que “supostamente” caminhou nos “dois mundos” ainda parece ser a prova real de que o crime organizado transnacional represente uma das maiores ameaças à ordem global atualmente vigente. O inoxidável Andreotti faleceu aos 94 anos na sua cidade natal, Roma, em 6 de maio de 2013. Seu velório e enterro atraíram multidões. REFERÊNCIAS: Agência EFE. Giulio Andreotti, absolvido pelo Tribunal Supremo, é símbolo de poder. Acesso em: 8 dez. 2013. AMORIM, Carlos Roberto. Assalto ao Poder. Rio de Janeiro: Record, 2010. CAWTHORNE, Nigel. A História da Máfia. trad. Guilherme Miranda. São Paulo: Madras, 2012. MAIEROVITCH, Wálter Fanganiello. Máfia e política: Crises vocacionais. Acesso em: 8 dez. 2013. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2009. GIAMBALVO, Corrado. Giulio Andreotti Ilibado da Morte de Jornalista. Acesso em: 8 dez. 2013. Carta Capital (AFP). Morre Giulio Andreotti, o ‘belzebu’ da política italiana.Acesso em: 11 dez. 2013. IMAGEM(NS): Buscou-se informações para creditar a(s) imagem(ns), contudo, nada foi encontrado. Caso saiba, por gentileza, entrar em contato: contato@incrivelhistoria.com.br Eudes Bezerra37 anos, recifense, graduado em Direito e História. Diligencia pesquisas especialmente sobre Antiguidade, História Militar, Crime Organizado e Sistema Penitenciário. Gosta de ler, escrever, planejar e executar o que planeja. Tags usadas: gângsteres Deixe um comentário Cancelar respostaO seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *Comentário * Nome E-mail Veja tambémCaporegime: Entre o Don e o gatilhoBombardeio com as mãos na Grande GuerraEstandarte do Espírito MongolSelo da câmara de Tutancâmon