Armas Históricas

A Invencível Armada Espanhola derrotada

A derrota da Grande Armada Espanhola contra ingleses modificou para sempre a guerra naval e garantiu a abertura do mar ao comércio internacional em 1588.


navios em chamas da invencível armada espanhola
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Autor: Eudes Bezerra
6 minutos
pintura a Armada em chamas
“A Derrota da Armada Espanhola”, de Philipp Jakob Loutherbourg, 1796. Museu Nacional Marítimo, Londres, Inglaterra.

Construída sob o temperamento exacerbado do catolicismo espanhol, a Grande Armada foi lançada ao mar em 1588 visando invadir a Inglaterra anglicana. Com táticas distintas, o rei Felipe II, da Espanha, e a rainha Elizabeth I, da Inglaterra, travaram um confronto que remodelou para sempre a história da guerra naval, onde velocidade, cautela e equilíbrio constituíram o tripé da vitória.

Ao passo que a Batalha de Lepanto[, em 1571,] assinalara o ápice (e quase imediatamente o fim) da guerra por galeras, a luta dos ingleses contra a Armada representou o aparecimento de um novo tipo de guerra naval. Em primeiro lugar, a batalha foi travada por navios transoceânicos que já não precisavam seguir o contorno das costas, podendo viajar para qualquer local do globo. Em segundo lugar, a batalha representou a vitória do poder de fogo sobre a ação de choque, sendo que, a partir de 1588, os confrontos navais seguiriam o padrão geral estabelecido pelos vitoriosos ingleses.” (GILBERT, 2005, p. 82, acréscimo nosso)

1. Origem da frota

Em meados de 1580, o rei da Espanha, Felipe II, ordenou a criação de uma poderosa força naval de guerra visando invadir o reino da Inglaterra. A coroa espanhola se encontrava envolvida no que ficaria conhecida como a Revolução Holandesa — ou Guerra dos 80 Anos —, na qual os holandeses buscavam assegurar sua independência frente àquela.

Todavia, a Inglaterra da rainha Elizabeth I apoiava a luta neerlandesa, dedicando apoio, algum suprimento material e reforços militares e, para Felipe, além de ajudar os insurgentes holandeses, os britânicos também saqueavam embarcações de sua coroa nos mares do “Novo Mundo”, principalmente no Caribe.

2. Números e táticas

O resultado dos esforços da Espanha foi a criação da Invencível Armada, igualmente conhecida como Armada Espanhola ou Grande Armada, na qual suas 130 embarcações de guerra poderiam impor derrota a qualquer nação da época. O armamento naval ficava por conta de mais de 2.400 canhões, sendo 1.100 de tiro pesado e curto alcance — ideais para a especialidade espanhola: primeiro, os vasos iberos atacavam a curta distância causando danos terríveis à frota adversária; no segundo momento se procedia à tomada manual das embarcações inimigas com infantaria especializada.

Durante a campanha militar, a frota espanhola, quando atracada nos portos da França e dos Países Baixos, também procederia ao embarque de um poderoso exército de ocupação espanhol, que desembarcaria na costa britânica para dar início à invasão por terra e efetivar a conquista da Inglaterra.

Do lado da rainha Elizabeth I, o número de naus era similar, porém mais velozes, e seus almirantes possuíam táticas diferentes e comandavam marinheiros acostumados com as marés do Canal da Mancha, Mar do Norte e mares próximos – diferentemente dos espanhóis. A marinha inglesa contava com 1.800 canhões, sobretudo colubrinas (canhões de tiro leve e longo alcance), e sabiam que os espanhóis, para usar seus experientes soldados, teriam que estar bem próximos.

3. Começa a campanha marítima

Em 29 de julho de 1588, a Armada Espanhola comandada pelo duque de Medina Sidonia avistou as ilhas britânicas, mas a primeira troca de canhonadas só ocorreu dia 31, quando os ingleses liderados pelo lorde almirante Howard de Effingham infligiu apenas uma baixa aos espanhóis. No decorrer do combate Sidonia percebeu que os ingleses buscariam distância de seus canhões de tiro curto.

No dia 2 de agosto os ventos favoreceram a frota espanhola, que se pôs à ofensiva, mas o confronto novamente acabou sem sucesso para ambos os lados. A frota inglesa, depois de disparar quase toda munição disponível, retornou à Grã-Bretanha para reabastecer. Um oficial espanhol, da nau San Martin, estimou que os ingleses estavam a disparar aproximadamente 500 vezes, ao passo que os navios espanhóis efetuavam apenas 80 tiros.

O dia 3 passou sem hostilidades e o dia seguinte, apesar dos ataques britânicos que haviam dividido sua frota em quatro partes, não houve mudanças significativas, tratando-se mais de repetições do que inovações: os ventos calmos mais uma vez favoreceram a Grande Armada, que se dispôs em ataque; lorde Howard repetiu o distanciamento da frota da espanhola e retirou suas embarcações da linha de tiro ao acabar sua munição.

3.1 Início do drama espanhol

Novos confrontos foram evitados nos dois dias seguintes, ocasião em que um imprevisto absurdo interrompeu a campanha ibera: quando Sidonia chegou ao porto de Calais, na França, soube que o exército espanhol na Holanda só poderia embarcar na semana seguinte. Também foi notificado que uma frota neerlandesa havia bloqueado os portos espanhóis nos Países Baixos, o que veio a impossibilitar o reabastecimento das naus iberas.

Impedido de prosseguir, Medina Sidonia ordenou aos seus capitães que lançassem âncoras no porto de Calais, na França, para proceder a um reabastecimento improvisado, visto que o estoque de munição da sua frota se encontrava baixo.

À noite, como esperado pelos capitães espanhóis, os ingleses lançaram oito grandes brulotes (navios em chamas) contra a Armada Espanhola, que, apesar de ter destacado cautelarmente navios menores para conter esse tipo de ofensiva, falhou e apenas dois brulotes foram desviados — os demais causaram grande escarcéu e dispersaram a esquadra de Medina Sidonia.

Na manhã seguinte, o comandante espanhol descobriu horrorizado que sua capitânia estava sob o ataque de toda a marinha de Howard Effingham e que conservava apoio de apenas cinco naves. Porém, o combate que se seguiu — de nove horas — não causou maiores danos e toda armada foi reagrupada no decorrer do dia.

O pandemônio espanhol teve início quando Sidonia desejou retornar ao porto de Calais, mas os ventos sopraram forte na direção contrária. Os transoceânicos do rei Felipe II se encontravam com níveis perigosos de munição e retornar à França não era possível de imediato.

3.2 O trágico contorno da Grã-Bretanha

A patente pesou e Sidonia teve que tomar uma rápida decisão: embora fosse arriscado navegar ao norte para tentar contornar a Grã-Bretanha e a Irlanda transpondo marés desconhecidas e sem auxílio de cartas náuticas adequadas, provavelmente seria mais seguro que se aventurar nas proximidades da Escandinávia ou tentar furar o bloqueio holandês sem munição.

A decisão de circundar as ilhas para então retornar à Espanha não poderia se revelar mais ingrata:

A Armada enfrentou um tempo terrível. Os mapas eram escassos e imprecisos, e os marinheiros espanhóis desconheciam as condições locais; dezenas de navios soçobraram [afundaram], engolidos por mares montanhosos ou arremessados de encontro a penedos.” (GILBERT, 2005, p. 83, acréscimo nosso)

3.3 O fim

Após os infortúnios de circundar as ilhas britânicas e a Irlanda, além de resistir às escaramuças da frota inglesa, a Grande Armada se encontrava derrotada em 8 de agosto: as perdas humanas já contabilizavam mais de 11 mil baixas e frota de guerra teve sua força dramaticamente reduzida à metade: “mais de 60 navios espanhóis se perderam: os ingleses capturaram e afundaram 15; 19 outros se extraviaram ao largo das costas escocesa e irlandesa. Não se sabe o que foi feito dos demais, mas é provável que tenham naufragado”. (GILBERT, 2005, p. 83)

pintura navios afundando
A Destruição da Invencível Armada, de José Gartner de la Peña, 1892.
Museu Andaluzia, Espanha.

A ruína da frota de guerra especialmente criada para invadir a Inglaterra foi grandemente comemorada pelos anglicanos que se sentiram livres do jugo católico da coroa da Espanha. Embora seus navios tenham evitado aproximação durante toda investida estrangeira, acertaram bem mais tiros.

A vitória desobstruiu Oceanos e Mares para o comércio internacional longe da influência da Inquisição Espanhola.

4.1 As mudanças na guerra naval

A disputa entre as coroas remodelou para sempre a história dos confrontos navais, quando ao mar foram lançados velozes navios transoceânicos armados com equilibrado poder de fogo: a nova geração de navios, com maior autonomia, aposentou as velhas e limitadas galeras que navegavam contornando costas, permitindo a navegabilidade por todo o planeta

Outro motivo determinante foi o bom emprego do poder de fogo à distância, que acabou por condenar ao esquecimento as velhas táticas de choque (abalroamento) e abordagem com soldados especializados — os ataques de banda (de lado) e o acréscimo do poder de fogo incidiram diretamente sobre a guerra manual, praticamente anulando-a.

REFERÊNCIAS:
ALTMAN, Max. “Invencível Armada” espanhola é arrasada pelos ingleses. Acesso em: 26 nov. 2013.
GILBERT, Adrian. Enciclopédia das Guerras: Conflitos Mundiais Através do Tempo. trad. Roger dos Santos. São Paulo: M. Books, 2005.
NEWARK, Tim. História Ilustrada da Guerra: Um estudo da evolução das armas e das táticas adotadas em conflitos, da Antiguidade à Guerra de Secessão dos Estados Unidos, no século XIX. trad. Carlos Matos. São Paulo: Publifolha, 2011.
VINCENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002.
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Eudes Bezerra

37 anos, recifense, graduado em Direito e História. Diligencia pesquisas especialmente sobre Antiguidade, História Militar, Crime Organizado e Sistema Penitenciário. Gosta de ler, escrever, planejar e executar o que planeja.

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