Biografias Napoleão Bonaparte, o último grande imperador A biografia de Napoleão, o grande estrategista que irrompeu do anonimato para se tornar uma das mais conhecidas e controversas personalidades da História. Biografias • Guerras • Idade Moderna • Personalidades Autor: Eudes Bezerra Matéria criada em 28 setembro 2015 Atualizada em 20 julho 2023 26 minutos Napoleão cruzando os Alpes, de Jacques Louis David. Museu Nacional de Castelo de Malmaison, França. Inegavelmente uma das personalidades mais conhecidas da História, Napoleão Bonaparte também impõe uma das mais peculiares biografias. Responsável por modificações globais, Bonaparte salvou a recém-criada república francesa, propagou os ventos da Revolução Francesa, cravou seu nome na História Militar e mostrou que a paixão é transformadora. De berço humilde, o jovem corso se tornou General aos 24 anos, estabilizou sua pátria amada, difundiu tecnologias, reformulou o Direito e, embora o poder tenha acabado por lhe consumir, forneceu a centelha libertadora para tantos outros povos que um dia se ergueriam para contestar e derrubar a tirania. O extraordinário poder deste mito não pode ser adequadamente explicado nem pelas vitórias napoleônicas nem pela propaganda napoleônica, ou tampouco pelo próprio gênio indubitável de Napoleão. Como homem ele era inquestionavelmente muito brilhante, versátil, inteligente e imaginativo, embora o poder o tivesse tornado sórdido. Como general, não teve igual; como governante, foi um planejador, chefe e executivo soberbamente eficiente e um intelectual suficientemente completo para entender e supervisionar o que seus subordinados faziam. (HOBSBAWM, 2014, p. 129-130) 1. Origem, infância e primeiros anos Napoleão Bonaparte nasceu no dia 15 de agosto de 1769 em Ajaccio, na ilha mediterrânea de Córsega, sendo o segundo filho de uma grande família de oito irmãos. Filho de Carlos Maria Bonaparte e Maria Letícia Bonaparte, de ascendência toscana (italiana), sua família provinha de uma nobreza baixa e até discriminada na Itália. Seu nascimento se deu pouco depois da Córsega ser cedida pelos genoveses à França, o que o torna genuinamente francês. Aos 10 anos de idade o pequeno Napoleão foi enviado à França para ser educado e aos 15 começou a receber treinamento militar, onde não demoraria a despertar atenção por sua grande dedicação aos estudos. Napoleão se destacava em matemática e possuía um senso grandioso de história e geografia — Bonaparte parecia evocar grandes nomes do passado, como o respeitado Frederico, o Grande, da Prússia (atual Alemanha). Contudo, sua baixa estatura (1,60m) e desleixo com a aparência o fizeram sofrer bastante o que atualmente chamam de bullying (algo que sofreria durante toda a juventude). 2. A Revolução Francesa, 1789 Em 1785, aos 16 anos, o jovem Napoleão concluiu seu treinamento militar em tempo recorde, tornando-se segundo tenente de artilharia. Normalmente, o rigoroso curso de artilharia levava três anos para ser concluído, Napoleão o concluiu em apenas 10 meses. Como segundo tenente permaneceu até a fervilhante Revolução Francesa, em 1789. Adepto das causas revolucionárias, atuou em sua defesa na Córsega durante os anos seguintes, mostrando-se um entusiasmado militante da causa revolucionária. Foi ali [Córsega] que ele teve, pela primeira vez, a sensação de provocar acontecimentos, de fazer a História. Sensação totalmente nova, que o embriagou. (GALLO, apud: NETO, 2015, s/p, acréscimo nosso) As ideias da Revolução Francesa não agradaram as nações vizinhas, que logo se mobilizaram para formar a Primeira Coalização com fins de invasão e neutralização da França. Os monarcas europeus receavam, entre outras coisas, que as ideias de cunho iluminista se alastrassem pela Europa e que perdessem o poder diante das violentas ações que os revolucionários franceses realizavam em seu país. Os receios aumentaram significativamente quando o rei francês deposto, Luís XVI, foi guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. A famosa rainha Maria Antonieta também encontrou o mesmo fim que o marido. O regicídio originou a primeira aliança antifrancesa formada pela Áustria, Inglaterra, Prússia, Espanha e Holanda. A Primeira Coalizão, como ficou conhecida, atacou o território francês em diversos pontos, destacando-se os combates ao norte, próximos à fronteira com os Países Baixos, e ao sul, no Porto de Toulon. A este importante porto o grupo de Napoleão foi enviado. Interessante abordar que a Revolução Francesa também injetou aos cidadãos franceses uma grande dose de paixão à pátria. O próprio Napoleão grandemente incentivou o nacionalismo, acreditando que somente através de soldados dedicados se poderia fazer uma revolução europeia. 3. O Cerco de Toulon: o despertar do gênio militar A Coligação liderada pelos britânicos haviam conquistado Toulon e, impotentes no mar, os franceses recorreram ao plano formulado por Napoleão. Napoleão havia sido promovido a capitão de artilharia e teria ficado horrorizado ao ver o plano criado pelos comandantes franceses para tomar a cidade costeira. A estratégia seria confusa, desorganizada e fadada ao fracasso. Napoleão também não desejava um alto número de mortos em sucessivos combates frontais estúpidos e antiquados. Desembarque britânico no porto de Toulon, França, 1793. Créditos: Forand A. Bonaparte mostrou que Toulon poderia ser reconquistada a partir da captura de uma das penínsulas ali existentes. As penínsulas se encontravam mal defendidas pela aliança antifrancesa e a partir de suas colinas as bocas de fogo poderiam ameaçar seriamente os navios anglo-espanhóis da Coligação no porto. Com os navios sob ameaça constante, a Coligação não seria capaz de resistir ao cerco francês, pois, além do bombardeio aos barcos e à própria cidade, as tropas em terra não receberiam mantimentos nem material para continuar a luta. O plano foi acatado e os preparativos começaram a ser feitos. A intromissão de Napoleão só foi possível porque o exército francês passava por grandes modificações e a competência havia se tornado prática usual em detrimento dos velhos vícios monarquistas que promoviam oficiais devido à condição financeira. Napoleão, “sem” recear ser fuzilado por insubordinação, mandou uma carta aos Representantes do Povo afirmando os erros do planejamento de Toulon. Os Representantes deram razão ao jovem audacioso. Quando a Península de Le Caire foi tomada pelos franceses em 21 de Setembro, Napoleão, já promovido a major, pessoalmente tratou de aperfeiçoar a artilharia, assim como melhorar sua disposição, o que potencializou os danos sobre a Coligação. Napoleão também buscou concentrar o fogo de sua artilharia sobre os navios britânicos, fazendo-os se retirar de vez do Porto de Toulon em 18 de dezembro. Foram exatos três meses de cerco, um baixo número de mortos e feridos e a comprovação de que a estratégia de Bonaparte estava correta. Pelo brilhantismo, Napoleão foi novamente promovido em 21 de dezembro: tornou-se general de brigada, simplesmente pulando duas patentes (de tenente-coronel e coronel, sucessivamente). O jovem corso ainda contava 24 anos de idade. Em agosto de 1793, a Marinha Real conquistou o porto de Toulon, que estava então sitiado pelas forças revolucionárias francesas. Apesar de ter tido que suportar um ferimento por baioneta, Napoleão assumiu o comando quando seu superior foi colocado fora de ação. Seu fogo concentrado contra a esquadra inglesa afugentou-a do porto. Foi saudado como um herói e promovido a general de brigada. (CAWTHORNE, 2010, p. 203) 4. A Baforada de Canhão Em 1795 um governo moderado — o Diretório — assumiu o controle e uma rebelião teve início em 3 de outubro, quando os pró-monarquia foram excluídos do novo governo. Napoleão, pela sua reputação obtida em Toulon, ficou encarregado de proteger o recém-criado governo em Paris, onde ficaria conhecido pela Baforada de Canhão. Uma coluna de monarquistas marchou contra o Diretório e a Convenção Nacional, mas foi dispersa por uma única rajada de artilharia — Baforada de Canhão — preparada por Napoleão. Assim, diz-se que ele o jovem Bonarparte salvou a recém-criada república francesa. Em março de 1796 Napoleão se casou com Joséphine de Beauharnais, mas logo partiu para assumir o comando do Armée d’Italie (exército francês na Itália). 5. Primeiro comando: a Itália Recompensado com o comando do Exército Revolucionário Francês na Itália, Napoleão assumiu o poder em 26 de março de 1796 e deu mostras definitivas do seu gênio militar ao colecionar importantes vitórias, de modo relâmpago sobre piemonteses e austríacos: Lodi, Castiglione, Arcola e Rivoli, uma a uma as batalhas foram vencidas por tropas que antes da chegada de Napoleão se mostravam desmotivadas e com futuro incerto. Os próprios austríacos se sentiram ameaçados com a possibilidade de uma derrota catastrófica, quando o orgulhoso exército bonapartista se encontrava em ascensão e apenas 150 km de distância de sua capital, Viena. Na Batalha de Lodi (1796), Napoleão liderou pessoalmente o ataque com baionetas através de uma ponte contra a retaguarda austríaca, o que lhe valeu o apelido carinhoso de o “Pequeno Cabo”. (CAWTHORNE, 2010, p. 203) O jovem Bonaparte sobre a ponte de Arcole, 1796. Créditos: Antoine Jean Gros, Palácio de Versalhes, ID.: MV-6314-RF-271. As vitórias de Napoleão Bonaparte o projetaram fortemente. Havia se tornado herói nacional e chamado atenção de governantes estrangeiros. Passou a ser reverenciado por soldados e civis onde passava e fez parte do grupo mítico de militares franceses que conseguiram custosamente rechaçar os ataques da Primeira Coligação, que só encontraram termo final em 17 de outubro de 1797, quando o Tratado de Campo Formio foi ratificado. A Áustria amargou a derrota cedendo a Bélgica e a Itália à França. Bonaparte conquistara doze ou mais batalhas em resultado de marchas sustentadas e oportunas, da flexibilidade nas manobras e da capacidade de concentrar suas forças no ponto mais vulnerável do inimigo. Essas demonstrações o fizeram o mais destacado comandante da França. (GILBERT, 2005, p. 131) 6. A Campanha no Egito Em julho de 1798 os franceses invadiram o Egito em uma tentativa de minar o comércio britânico com o Oriente. A invasão começou bem e logo os franceses tomaram as cidades de Alexandria e do Cairo das mãos do império turco-otomano. No dia 21 de Julho 1798 Napoleão venceu de modo arrasador a Batalha das Pirâmides, próximo à Necrópole de Gizé, onde aproximadamente 25 mil franceses derrotaram um imenso exército otomano que pode ter alcançado 100 mil soldados. A campanha francesa no Egito caminhava rapidamente, mas, no dia 1º de agosto, os ingleses liderados pelo “Napoleão dos mares”, lorde Horatio Nelson, venceram a Batalha Naval do Nilo, quando destruíram a frota francesa, deixando as forças terrestres francas isoladas em terra. A campanha no Egito terminou em 1801. Os britânicos permaneciam tão imbatíveis no mar, quanto os franceses, quando sob o comando de Napoleão, mostravam-se nos combates em terra. Nessa ocasião, costuma-se censurar a atitude de Napoleão de retornar à França deixando o exército francês no Egito. Contudo, Napoleão possuía outros interesses e dava mostras de sua ambição: desejava o poder e um coup d’état [Golpe de Estado] já se encontrava em marcha. 7. O 18 Brumário: o início da Era Napoleônica Em 9 de novembro de 1799, Napoleão ascendeu ao poder como primeiro-cônsul por ocasião do bem-sucedido golpe de Estado conhecido como 18 Brumário. O Diretório havia sido derrubado e o Consulado se mostrava promissor: acreditava-se que o novo sistema conteria as fortes agitações internas que ainda sacudiam a jovem república francesa. Ainda em 1799, a Segunda Coalizão se originou a partir da união das coroas da Inglaterra, Áustria, Rússia, Nápoles, Turquia, Portugal e dos Estados Papais. Algumas das conquistas territoriais de Napoleão na Itália foram revertidas em prol da nova aliança, mas logo a Rússia deixou a Coalizão quando o competente general francês André Masséna os venceu na Suíça. Quando retornou a Paris, Napoleão reorganizou o exército reserva e partiu para Itália em maio de 1800 para enfrentar e vencer mais uma vez os austríacos. 7.1 A Batalha de Marengo Em 14 de junho de 1800, Napoleão Bonaparte conquistou uma importante vitória sobre os austríacos em Marengo e mais uma vez obrigou o império austríaco a abandonar a campanha no norte da Itália. Batalha de Marengo, de Louis-François Lejeune, 1802. Museu Nacional do Castelo, Palácio de Versalhes, França. No momento mais delicado do evento, as forças sob a liderança de Napoleão se encontravam em desvantagem e, por não disporem de força para atacar, retrocediam pacientemente enquanto aguardavam reforços. Retrocederam calculadamente e em ordem por aproximadamente seis longos quilômetros. Apesar do planejamento de Napoleão, o tão esperado reforço de tropas demorava e a derrota francesa parecia iminente. Os austríacos acreditaram que a vitória estava garantida e soberbamente demoraram a expedir a ordem final de ataque. Entretanto, no momento exato, os reforços franceses chegaram como em um milagre, dando força suficiente para Napoleão impor sua liderança em campo de batalha e tomar a vitória das mãos austríacas. O evento encerrou Segunda Campanha Militar Francesa na Itália, deixando a Inglaterra sozinha na Segunda Coalizão. Diante do impasse que se formou nos anos seguintes, franceses e ingleses assinaram o Tratado de Paz de Amiens em 1802. Os britânicos continuaram soberanos nos mares ao passo que os franceses em terra firme. O tratado trouxe paz à Europa, mas não era isso que Bonaparte pretendia. Desta forma se encerraram as chamadas Guerras Revolucionárias da França. Os demais conflitos que se seguiram representam as Guerra Napoleônicas. 7.2 O Consulado e as reformas internas do Estado francês Durante o período em que o Consulado ditava as regras na França, uma série de melhorias foi executada para o fortalecimento nacional. Educação, economia, direito e outros ramos de atividades do Estado passaram por modificações que influenciaram nações estrangeiras. Contudo, também houve perseguição a grupos opositores e censura à imprensa, pois as ideias da Revolução Francesa perderam parte do espaço que dispunham. Napoleão criou o Banco da França, que reduziu a inflação; fortaleceu a indústria e o comércio com grandes obras públicas, como o Arco do Triunfo; instituiu o famoso Código Civil Napoleônico, em 1804, que ainda hoje se encontra em vigor; a educação pública passou a ser assunto de grande interesse do governo, onde cada vez mais recebeu incentivos para a formação do caráter francês; e, entre outros temas, desvencilhou o Estado e a religião, de forma a facilitar administração estatal. O governo francês passou a ser mais eficiente e a adoração ao cônsul lhe rendeu o título de cônsul vitalício, o que, em vias práticas, presenteou Napoleão com algo que em muito lembrava o antigo regime monárquico. Entretanto, a França caminhava a largos passos e isso agradou sua população que via através da figura de Bonaparte um futuro promissor. 8. O império e as Guerras Napoleônicas No dia 2 de dezembro de 1804, na bela Catedral de Notre-Dame, Napoleão Bonaparte assumiu o controle geral do Estado sob o nome de Napoleão I, quando, com ares de déspota, coroou-se após tomar a coroa das mãos do Papa Pio VII. A atitude configura como uma das mais emblemáticas da história francesa, quando a determinação de Napoleão assustou a muitos. Repleto de orgulho, Napoleão I estava pronto para se lançar em suas campanhas expansionistas. Em 1805, a Terceira Coligação foi constituída — Áustria, Inglaterra e Rússia — para frear as possíveis ações de Napoleão, mas falharam terrivelmente. Em outubro, os austríacos não suportaram o cerco de Napoleão em Ulm. No mês seguinte a capital austríaca, Viena, caiu. No Entanto, o moral das tropas coligadas melhorou com a contundente vitória do mestre dos mares — lorde Nelson — na maior batalha naval das Guerras Napoleônicas, a Batalha de Trafalgar. Napoleão sabia que o grande trunfo de resistência da Inglaterra consistia no fato de se localizar numa ilha e dispor de uma eficiente marinha. Isto é, para lograr êxito sobre a adversária marítima, teria que desembarcar seu exército de campo na Grã-Bretanha. Para isto, reuniu uma grande quantidade de barcos originários de territórios ocupados, criando uma poderosa frota de alto mar. 8.1 A Batalha de Trafalgar Em outubro de 1805, o jovem imperador francês se aproximava do ápice do seu poder. Dentre seus principais objetivos, encontrava-se a conquista da Grã-Bretanha. Teoricamente, seria fácil atravessar o Canal da Mancha e desembarcar suas tropas, no entanto, o estreito canal estava bloqueado pela mais poderosa armada naval da época: a Royal Navy [Marinha Real]. Batalha de Trafalgar, Clarkson Stanfield Frederick, séc. XIX. As fragatas inglesas vigiavam os portos franceses mantendo as naus continentais presas às docas. O mesmo ocorria nos portos espanhóis sob “controle” dos franceses no Mediterrâneo, o que desmembrava a frota de Napoleão. Seria necessário juntar as duas porções para se ter alguma chance real de invasão. Em 21 de outubro de 1805, no Cabo de Trafalgar, na costa Espanhola, a Marinha Real britânica liderada pelo almirante Nelson interceptou e confrontou a grande armada franco-espanhola comandada por Villeneuve que tentava ir ao norte. No plano de guerra, a batalha pendia a favor dos franco-espanhóis por se encontrarem em maior número — trinta e três naves contra vinte e sete — e disporem de alguns dos melhores navios da época, mas Nelson é que impressionou ao aplicar uma nova estratégia. Nas disposições táticas, ao invés de formar a secular fila indiana e disparar os desnorteados canhões em ataques de banda (atirando de lado), como fez Villeneuve, Nelson dispôs seus navios em duas colunas e navegou sem disparar – impossível acertar algo que não os próprios navios da outra coluna britânica – até estar entre a esquadra adversária, acabando por anular grande parte da linha de tiro francesa. Neste ponto, os canhões do almirante britânico dispararam à queima roupa. Nelson havia ordenado que cada canhão fosse carregado com três balas. Os canhões perdiam em alcance, mas captavam maior poder de fogo em curta distância. A estratégia do comandante inglês pôs em xeque toda a esquadra adversária e arruinou para sempre qualquer plano francês de invadir Londres. Disposições táticas da Batalha: ingleses com duas colunas transversais à formação franco-espanhola em banda (fileira indiana). Créditos: autoria desconhecida. Incrivelmente, os britânicos venceram o embate sem perder um único navio e tendo o saldo negativo de apenas 1.500 marinheiros entre mortos e feridos, enquanto que a armada franco-espanhola amargava a perda de aproximadamente 20 naus (entre tomadas e abatidas), 7 mil marinheiros mortos e a captura do próprio Villeneuve com outros 7 mil soldados. A grande perda inglesa foi a morte do almirante Nelson que salvou toda a Grã-Bretanha do déspota francês. No auge do combate, um tiro disparado pela gata (máquina de guerra semelhante à catapulta) do Redoubtable acertou a dragona do ombro esquerdo de Nelson. O comandante morrera meia hora antes do final da batalha, mas imensamente orgulhoso de tê-la vencido e servido à pátria inglesa, tornando-se possivelmente o maior herói da Inglaterra. Napoleão havia perdido sua frota, mas continuava implacável em chão firme e uma grande batalha se aproximava. 8.2 A Batalha de Austerlitz: o maior triunfo de Napoleão Também conhecida como a Batalha dos Três Imperadores, Austerlitz, disputada pouco depois do fiasco de Trafalgar, em 2 de dezembro de 1805, pôs um fim ao decadente Sacro Império Romano-Germânico, tirando a Áustria da guerra e humilhando o exército imperial do czar Alexandre I, que amargou afirmando: “Somos crianças nas mãos de um gigante”. No dia 2 de dezembro de 1805, Napoleão venceu a Batalha de Austerlitz abocanhando o máximo de poder. Impôs uma humilhante derrota às forças combinadas da Áustria e Rússia e, em uma demonstração de poder, condenou à morte milhares de soldados russos que fugiam em desespero. Napoleão Bonaparte, exatamente um após sua autoproclamação a imperador, teve seu presente: a Europa. Créditos: A Batalha de Austerlitz, de François Gérard, 1810. Obra constante no Palácio de Versalles, França. Antes do embate, Napoleão estava preocupado: dispunha de 68 mil soldados, enquanto a armada austro-russa beirava os 100 mil (75% russos; 25% austríacos) e continham aproximadamente o dobro da artilharia francesa. O déspota francês também estava longe de casa e era inverno, o que complicava o trabalho da sua extensa linha de suprimento. Os russos possuíam uma artilharia famosa e os austríacos eram tidos como os donos da melhor cavalaria da época, mas os franceses também exibiam seu trunfo: o próprio Bonaparte. Napoleão, ciente de sua situação, mostrou o porquê de estar no pódio dos maiores generais da história: estudou a região e decidiu que a luta deveria ocorrer em um planalto 20 km a leste de uma vila chamada Austerlitz, marchando com seu exército para lá. Na noite anterior ao confronto, o general imperador instruiu pessoalmente seus soldados sobre a linha de defesa, como manobrar durante o combate e quando e onde atirar. Dividiu-as em norte (flanco esquerdo), centro (vanguarda) e sul (flanco direito). O moral das tropas estava alto e, enquanto fazia a instrução, alguns de seus homens incendiavam os colchões para iluminar o caminho do grande general. Na manhã seguinte, na iminência da escaramuça, Napoleão acabara de enviar um emissário portando suas exigências aos inimigos, quando expediu as últimas ordens aos seus comandantes — finalizando o que Sun Tzu chamou de a arte de enganar o inimigo —. Secretamente, também manteve tropas ocultas no tabuleiro de guerra atrás da neblina a sudoeste e aguardava a chegada de outros 7 mil soldados vindos de Viena. Diante dos falsos movimentos do exército francês, os comandantes austríacos e russos entenderam os sinais da forma mais trágica possível, como prognosticara Napoleão: interpretaram como demonstração de fraqueza do imperador francês quando este recuou seguindo para Austerlitz, que os colchões queimados indicavam desordem e um possível retorno dos franceses para casa, o que foi consubstanciado pela falsa retirada desordenada da vanguarda napoleônica, o aparente desguarnecido flanco direito e o envio do emissário. Acreditaram que Napoleão estava desorganizado, prestes a voltar à França e, principalmente, blefando ao enviar o mensageiro exigindo rendição. E atacaram os franceses. Com quatro colunas (“quatro partes independentes”) a armada austro-russa priorizou o ataque no flanco direito (sul) — caindo na armadilha de Napoleão —. A unidade mantida na neblina surgiu, quase misticamente, conforme o Sol se erguia sobre Austerlitz — surpreendendo os aliados — e improvisando uma linha de defesa. A Guarda Imperial Francesa, a elite do exército, mostrou serviço flanqueando pela direita os atacantes deste ponto, ao mesmo tempo em que os franceses barravam o avanço no norte. A vanguarda francesa irrompeu com fúria desferindo o golpe final ao centro, despedaçando o exército austro-russo em dois. O caos acabou instaurado, os comandantes não foram mais ouvidos e todos iniciaram uma desesperada fuga, deixando para trás 180 canhões. Quando o exército inimigo fugia pelo lago congelado de Satschen, Napoleão deu uma de suas ordens mais cruéis: “atirem no gelo” — e os canhões destroçaram o lago congelado levando consigo quatro mil soldados para a morte. Napoleão venceu incontestavelmente. O estandarte que cada batalhão levava era tido como troféu em campo de batalha. Perdê-lo significava desonra e indicava uma tremenda surra. Em Austerlitz, o exército francês tomou 50 estandartes dos russos e austríacos, perdendo apenas um. Em termos táticos, Napoleão foi definitivamente imortalizado como comandante militar. Perdeu apenas 6.800 soldados e infligiu baixas de 12.200 (mortos e feridos), fez 15 mil prisioneiros e capturou 180 peças de artilharia. Essa batalha destruiu a Terceira Coligação. 8.3 O Bloqueio Continental Na tentativa de arruinar a economia inglesa, Napoleão instituiu o Decreto de Berlim em 21 de novembro de 1806, o que deixava terminantemente proibido o comércio dos portos da Europa Continental com os navios de bandeira britânica. Impossibilitado de transpor a poderosa marinha inglesa, Bonaparte desejava arruinar sua economia. Em terra, seus exércitos pareciam invencíveis, mas, enquanto não lograsse desembarcar na Inglaterra e submeter sua mais determinada inimiga, não conseguiria instaurar, como desejava, uma nova ordem europeia, sob sua liderança. Faltava-lhe para isso o domínio do oceano. Com a esquadra esgarçada após a batalha naval de Trafalgar, não tinha como atravessar o canal da Mancha. Dos mares eram senhores os britânicos. (SILVA, 2014, p. 23) Os britânicos, por sua vez, responderam, entre outras coisas, com atitudes tipicamente corsárias, nas quais todo navio de bandeira neutra que navegasse em alto mar seria tomado e leiloado. Apesar da tentativa, o Bloqueio Continental não surtiu o efeito esperado. O controle sobre tantos portos demandava grande empenho dos franceses e a corrupção era um mal que parecia difícil de erradicar. 8.4 Surgem a Quarta e a Quinta Coalização Não demorou para que a Quarta Coalizão fosse criada, sendo constituída em 1806 e dessa vez integrada pela Inglaterra e Rússia em comum acordo com a poderosa Prússia, que trouxe a Saxônia e a Suécia. Os inimigos mudaram, mas as vitórias continuaram francesas. Em meados de 1806, os prussianos e saxônicos foram derrotados em Jena. No início de 1807 as agressões cessaram após a inconclusiva Batalha de Eylau, quando uma forte nevasca atrapalhou ambos os lados. Mal o verão despontou em 1807 e Napoleão se lançou novamente contra os russos, que novamente foram derrotados na Batalha de Friedland em 14 de junho. A Quarta Coalização se desintegrou e o Tratado de Tilsit foi assinado. Neste tratado ficou estipulado que o Império da Rússia pactuaria com o Bloqueio Continental. A Quinta Coalizão — Áustria, Prússia e Suécia — surgiu em 1809 em meio a Guerra Peninsular iniciada em 1807 e movida pela França contra os países da Península Ibérica, Espanha e Portugal, mais a Inglaterra. A Áustria havia surpreendido Napoleão ao mais uma vez partir para guerra contra o império francês. Na Batalha de Aspern-Essling, ocorrida entre 21 e 22 de maio de 1809, contra os austríacos, Napoleão Bonaparte sofreu sua primeira derrota comandando pessoalmente. Essa batalha ganhou notoriedade por ter sido a primeira derrota do exército francês em uma década. Contudo, nos dias 5 e 6 de junho, Napoleão arrebatou uma vitória arrasadora na Batalha de Worms, onde infligiu mais de 40 mil mortes aos austríacos. Novamente a Áustria capitulou diante do Grande Exército Francês. 8.5 A catastrófica Campanha da Rússia Em 24 de junho de 1812, quando Napoleão invadiu o império russo, não imaginava que seu exército composto por 600 mil soldados voltaria aos frangalhos à França e que ainda seria forçado a abandoná-lo em difíceis condições em 5 de dezembro do mesmo ano, para se acautelar de uma perigosa conspiração em Paris. Napoleão, mesmo doente, nutria forças para continuar sua odisseia. Retirada de Napoleão da Rússia, de Adolph Northen. Motivada pelo descumprimento do Bloqueio Continental por parte da Rússia, o comandante corso pôs La Grande Armée [O Grande Exército] em marcha sobre a terra dos czares. Dentre os tantos fatores que contribuíram para a ruína francesa, encontram-se o soberbo espírito da vitória dos invasores, incluindo do próprio Napoleão Bonaparte, aliados a outros fatores como o rigoroso inverno russo e doenças das mais variadas. A invasão só contou com uma grande batalha, a de Borodino, em dezembro, onde os franceses venceram a armada imperial russa. O principal trunfo da vitória russa consistiu na aplicação da técnica terra seca (arrasada ou queimada), que consiste em destruir por inteiras cidades, vilas, lavouras e qualquer outra coisa que pudesse aquecer e alimentar os soldados invasores, deixando estes à mercê dos seus próprios suprimentos e logística. A ideia, vinda de militares prussianos, destacando-se Karl Von Clausewitz, causou o efeito esperado e Napoleão, dentre outros motivos, viu-se obrigado a retroceder a Paris. Neste momento, o inverno se tornou mais rigoroso, os suprimentos escassos e os cavaleiros cossacos passaram a fustigar o exército francês com táticas de guerrilha. Estima-se que menos de 30 mil soldados franceses retornaram à França e La Grande Armée nunca mais impôs a incrível força e qualidade que outrora se orgulhou. Os russos, por seu turno, sofreram perdas humanas na proximidade das 230 mil vidas. 8.6 O tabuleiro inverte: Napoleão se defende, mas é atacando Com o tabuleiro de guerra finalmente se mostrando favorável àqueles que por dezenas de vezes foram humilhados pelo Império da França, a Sexta Coligação (1812-1814) se originou como uma onda vibrante que arrebatou os surrados impérios da Áustria e da Rússia, as hesitantes e imprescindíveis Prússia e Suécia, o obstinado Reino Unido, entre diversos outros Estados germânicos e adjacentes. As dificuldades se amontoavam ao exército francês que recebera uma gigantesca soma de soldados inexperientes. Grande parte dos soldados veteranos já havia tombado nas inúmeras batalhas, outros tantos cansados das batalhas sem-fim. A situação de Napoleão cada vez mais se complicava, mas ele não desistira de unir a Europa sob seu obstinado comando. Na primavera de 1813, os franceses haviam sido forçados a recuar para o leste do Rio Elba, e estavam se reorganizando para a ofensiva vindoura. Pela primeira vez em 20 anos de guerra, havia quatro grandes nações confrontando a França simultaneamente — a Rússia, a Prússia, a Áustria e a Grã-Bretanha; contudo, embora a maior parte de seu exército consistisse em recrutas imaturos, Napoleão decidiu atacar antes que o inimigo recebesse mais reforços. (GILBERT, 2005, p. 140) No decorrer de 1813, uma série de confrontos exaustivos foi travada e marcada por vitórias francesas: Napoleão venceu as batalhas de Lützen, em 2 de maio; de Bautzen, em 20-21 de maio; e a de Dresden, em 26-27 de agosto, na qual venceu a Coligação que dispunha de quase 100 mil soldados a mais que o exército francês. Todavia, nenhuma das batalhas foi a grande e destruidora que Napoleão ansiava, nenhuma lhe trouxe a capitulação da Sexta Coligação. Doravante, Napoleão sofreu uma derrota na Batalha de Kulm e uma trégua temporária foi acordada. E os motivos eram vários: todos os envolvidos se encontravam exaustos humana e materialmente após décadas de conflitos, onde milhões já haviam perecido. As Guerras Napoleônicas haviam consumido intensamente recursos de toda ordem, destruído parte da infraestrutura europeia e arruinado a vida de milhões de europeus. Só os russos já haviam perdido quase tantos soldados quanto a malfadada campanha de Napoleão de 1812. O exército do Czar ainda se encontrava grandemente disperso, desmotivado e vulnerável nas proximidades da França. A trégua não durou e entre os dias 16 e 19 de outubro, a maior das batalhas da era napoleônica ocorreu em Liepzig, na Alemanha. Também chamada de Batalha das Nações, 190 mil franceses enfrentaram 365 mil soldados da Coligação. Por algum momento, a luta deu mostras de que os franceses a venceriam. Lutaram com grande determinação e destreza, mas a superioridade quantitativa da Coligação (175 mil soldados a mais) pesou e os franceses foram derrotados. 8.7 A derrocada francesa, a abdicação do imperador Em 1814, o novo recrutamento massivo forneceu cerca de 100 mil soldados inadequados a Napoleão, para que pudesse proteger as fronteiras do Império da França. Ainda, seu exército de campo correspondia a apenas 40 mil soldados, aproximadamente. A Coligação, diferentemente, avançava com soldados contados na casa das centenas de milhares. Napoleão, contudo, não se deixou impressionar, e assumiu a ofensiva. Apesar de sua saúde declinante, ele demonstrou algo de seu antigo brilhantismo e desnorteou frequentemente seus inimigos. Os franceses venceram uma série de batalhas no nordeste da França no início de 1814. Os líderes aliados quase se entregaram ao pânico, mas conseguiram refrear os nervos, e suas forças se acercaram de Paris. (GILBERT, 2005, p. 140) Não tendo outra saída, assim como não desejando mal à sua amada França, o imperador Napoleão I abdicou em favor do seu filho em dia 6 de abril de 1814, quando assinou o Tratado de Fontainebleau. No entanto, seu título de imperador continuou mantido virtualmente. Napoleão I chegou ao seu exílio, na ilha de Elba, no Mediterrâneo, em 4 de maio de 1814. Fez jus a uma pensão e conservou uma pequena guarnição de soldados que ficou à sua disposição. 8.8 A despedida da Velha Guarda Imperial Antes da partida, ocorreu um dos momentos mais melancólicos da Era Napoleônica, quando, em 20 de abril de 1814, o imperador se despediu de sua leal Velha Guarda Imperial. O Adeus de Napoleão à Guarda Imperial no pátio do Cavalo Branco do Castelo de Fontainebleau, de Antoine Alphonse Montfort, que retrata o melancólico 20 de abril de 1814 francês, quando ocorreu a triste despedida de Napoleão e seus mais antigos e fieis camaradas. Durante a despedida, pôde-se perceber a forte emoção dos velhos guerreiros. Em meio ao discurso de adeus, diz-se ter sido possível escutar soluços advindos fileiras. A camaradagem entre Napoleão e seus soldados foi reconhecidamente fraterna — ao ponto de arrancar lágrimas daqueles homens já tão endurecidos pela guerra. Antes de invadir o Império Russo, em 1812, não havia dúvida da força ímpar que o exército francês representava — a família real portuguesa e imensa parte de sua corte fugiram para o Brasil em 1808 apenas com o vulto de jovens recrutas franceses —. Além de disciplinarmente treinado e bem estruturado, o exército francês era comandado por aquele já reputado como lenda militar, o próprio Bonaparte. Discurso de Napoleão aos oficiais da Velha Guarda Imperial: Soldados da minha Velha Guarda, venho apresentar-vos minhas despedidas. Durante vinte anos a fio, muitas e muitas vezes, deparei-me convosco, palmilhando o caminho da honra e da glória. Nos dias que correm, como também, nos dias de nossos sucessos, nunca deixastes de ser modelos de bravura e de lealdade. Com homens de vossa estirpe, nossa causa não estaria perdida. Mas a guerra parecia interminável. Corríamos o risco iminente de um conflito civil. Isso ocorrendo, a França tornar-se-ia ainda mais infeliz. Eis por que sacrifiquei todos os meus interesses em prol dos interesses da pátria e me afasto. Quanto a vós, meus amigos, continuastes servindo à França. Para ela estiveram voltados todos os meus pensamentos. Para ela convergirão sempre meus melhores anelos. Não deploreis meu infortúnio. Se aceito sobreviver-me é, ainda, para servir vossa glória. Pretendo escrever sobre os grandes feitos que empreendemos juntos. Adeus, filhos meus. Gostaria de estreitar-vos a todos junto ao meu coração. Que eu beije, pelo menos, a vossa bandeira! [neste momento, Napoleão teria beijado a bandeira da França às lágrimas] Adeus, mais uma vez, meus velhos camaradas! Que este último ósculo perpasse vossos corações!. Inesperadamente, este simbólico episódio ainda comportaria um capítulo, o final, pois em 18 de junho de 1815, nas proximidades de Waterloo, na Bélgica, todos se reuniriam mais uma vez para marchar e sangrar sob as ordens do comandante e enfrentar a derradeira Coligação Europeia como leões. 9. O Governo dos Cem Dias – Viva o Imperador! O exílio na ilha de Elba tinha sido de reflexão e marasmo para Napoleão. Sua pensão não estaria sendo paga e afastado se encontrava de sua família, deparou-se com os boatos de que seu destino seria novamente mudado: seria transferido para uma ilha remota, no Oceano Atlântico. Napoleão, como sempre, não se deixou impressionar e voltou à França em 1º de março de 1815 – tal data de retorno diverge entre os pesquisadores referenciados. A notícia de que o imperador havia retornado à Europa Continental gerou tumulto e um ar de mistério se fez presente. Bloqueios foram criados e destacamentos expedidos para captura de Napoleão I. Quando finalmente encontrado por tropas francesas, Napoleão, sozinho, encarando a linha de tiro, teria se dirigido aos soldados e vociferado: Aqui estou eu! Matem seu imperador, se assim o quiserem! Os soldados não decepcionaram e teriam urrado: Viva o imperador! Viva! E mais uma vez, em marcha, o imperador e suas tropas se dirigiram à capital francesa, Paris. Conta-se que Napoleão foi saudado e que as tropas que o encontravam no caminho aumentaram o número de soldados a segui-lo. Assim, Luís XVIII e sua corte, que haviam retornado ao poder, fugiram temendo a morte. 9.1 A Batalha de Waterloo Restabelecido o poder, nova Coligação foi constituída e todos partiram para uma série de confrontos marcados por vitórias de ambos os lados, tendo Napoleão, mesmo com a saúde debilitada, vencido os embates que pessoalmente comandou. Em 18 de junho de 1815, na Bélgica, ocorreu a última grande batalha das Guerras Napoleônicas, a Batalha de Waterloo, onde alguns dos mais brilhantes generais e marechais daquele tempo se enfrentaram em uma acirrada luta. Napoleão sabia que o exército francês não conseguiria vencer a batalha se ingleses e prussianos lutassem juntos. Com o declínio do exército francês após a Campanha da Rússia, o exército prussiano voltou a ser o mais bem preparado e disciplinado da Europa. Os aliados também possuíam dois competentes comandantes: o irlandês Arthur Wellesley, o famoso duque de Wellington, e o não menos competente marechal prussiano Gebhard Leberecht Von Blücher. Sir Arthur Wellesley, o duque de Wellington, e Gebhard Leberecht Von Blucher. Créditos: 1ª Thomas Lawrence, Museu Wellington; 2ª autoria desconhecida, Museu da Cidade de Berlim. Iniciado o confronto, uma série de erros bizarros dos comandantes franceses acabou por solapar os planos de Napoleão. Napoleão e o duque de Wellington se encontravam equilibrados. Este contava com 68 mil soldados ao passo que aquele com 72 mil. Napoleão imprimiu grande pressão sobre o britânico ao ponto deste ter que se entrincheirar. O duque de Wellington, esperando pela participação do marechal Blücher, recuou até uma cadeia de montanhas próxima a Waterloo. A esta altura, Napoleão já havia despachado o marechal Grouchy, com 33 mil soldados, para atacar os prussianos de Blücher, mas Grouchy não só se dirigiu na direção errada como marchou lentamente. O comando do marechal francês teria sido tão bizarro que ele e seus 33 mil soldados nem chegaram a participar da batalha. Blücher chegou ao campo de batalha — com seus 28 mil soldados — acertando em cheio o flanco direito dos franceses, como esperava o duque de Wellington. Contudo, os franceses se seguravam eficientemente. Outro problema aturdiu Napoleão, quando uma sucessão de erros dos seus comandantes, como o marechal Michel Ney, ocasionou o desperdício de tropas. O próprio Ney, muitas vezes tido como um dos melhores do império francês, desferiu ataques ineficientes que foram bloqueados por Wellington. No clímax do embate, Napoleão então lançou a elite do exército francês para decidir de uma vez por todas a batalha: a Velha Guarda Imperial marchou, mas teve seu avanço dificultado pelo fogo concentrado da artilharia britânica que dedicou especial atenção à elite francesa. Napoleão decidiu utilizar a sua última e preciosa reserva — a sua famosa [Velha] Guarda Imperial, a elite dos seus veteranos. Enviou dois batalhões contra os prussianos e, mais uma vez, eles fizeram valer a sua reputação. Quando a Guarda Imperial entrava em campo, os inimigos tremiam. Até então, ela nunca havia conhecido derrota em batalha. Os dois batalhões varreram sozinhos 14 batalhões prussianos, estabilizaram a ala direita e deram ao imperador a chance de lutar novamente contra Wellesley no centro. (CARVALHO, 2015, s/p, acréscimo nosso) Contudo, em meio ao grande poder de fogo propagado pela artilharia aliada e do ataque geral liderado pelo próprio Wellington, a Guarda Imperial, pela primeira vez em sua história, recuou. Isso fez com que o ânimo dos demais franceses ficasse aos frangalhos. A derrota seria questão de tempo. Mas os velhos soldados da Guarda ainda deram uma última demonstração de grandeza e lealdade, ao possibilitar a fuga do imperador: Guarda se sacrificou de tal modo que originou uma frase de efeito que hoje em dia estampa muros, fachadas e lemas de tropas do mundo inteiro, inclusive do Brasil: “A Guarda morre, mas não se rende”. E, assim, tombaram rugindo os mais ferozes leões de seu tempo. A queda da Guarda Imperial é um dos pontos mais marcantes deste evento e suscita diversas questões, pois muitas nações a reclamam como sendo proeza sua. Nas últimas décadas historiadores têm atenuado o tal recuo da Guarda, indicando que ela teria mais se reorganizado para dar fuga segura ao imperador Napoleão I, que propriamente recuado em seu último ato nos campos da morte. Ainda, outros fatores como os erros grosseiros orquestrados pelos marechais Grouchy e Ney, além da decadente saúde de Napoleão, têm reacendido o debate sobre a Batalha de Waterloo. De acordo com o diário de comando do próprio duque de Wellington: A Batalha de Waterloo foi a coisa mais próxima de dar errado que alguém jamais viu na vida. (CAWTHORNE, 2010, p. 203) 10. O fim: exílio na ilha de Santa Helena Quatro dias após Waterloo, em 22 de junho de 1815, o imperador da França Napoleão I abdicou para ser definitivamente exilado na remota ilha de Santa Helena, uma ilha ao sul do continente africano, no Atlântico Sul. Em mais um emocionante pronunciamento ao povo francês, Napoleão, no Palácio de Eliseu, teria dito: Franceses, ao começar a guerra para defender a independência nacional, eu contava com a unificação de todos os esforços, de todas as energias e com o concurso de todas as autoridades nacionais; tinha razões para esperar o sucesso e desafiei todas as declarações das potências contra minha pessoa. As circunstâncias parecem mudadas. Eu me ofereço em sacrifício ao ódio dos inimigos da França. Esperamos que eles sejam sinceros em suas declarações e que não vos odeiem mais do que a mim. Minha vida política está terminada e proclamo meu filho, sob o nome de Napoleão II, imperador dos franceses. Os ministros atuais formarão provisoriamente o Conselho de Governo. O interesse que tenho por meu filho me leva a solicitar das Câmaras que organizem, sem demora, a Regência, através de ato legal. É necessária a união de todos para a salvação pública e para preservar a independência nacional. 11. Morre o homem, consagra-se o mito Em 5 de maio de 1821, o último grande imperador da história e gênio militar, Napoleão Bonaparte, fechou seus olhos para o mundo. Contava apenas 51 anos de idade. Seu corpo atualmente repousa na magnífica tumba de Les Invalides, em Paris. Pois o mito napoleônico baseia-se menos nos méritos de Napoleão do que nos fatos, então sem paralelo, de sua carreira. Os homens que se tornaram conhecidos por terem abalado o mundo de forma decisiva no passado tinham começado como reis, como Alexandre, ou patrícios, como Júlio César, mas Napoleão foi o ‘pequeno cabo’ que galgou o comando de um continente pelo seu puro talento pessoal. […] Todos os homens comuns ficavam excitados pela visão, então sem paralelo, de um homem comum que se tornou maior do que aqueles que tinham nascido para usar coroas. Napoleão deu à ambição um nome pessoal no momento em que a dupla revolução tinha aberto o mundo aos homens de vontade. E ele foi ainda mais. Foi um homem civilizado do século XVIII, racionalista, curioso, iluminado, mas também discípulo de Rousseau o suficiente para ser ainda o homem romântico do século XIX. Foi o homem da Revolução, e o homem que trouxe estabilidade. Em síntese, foi a figura com que todo homem que partisse os laços com a tradição podia se identificar em seus sonhos. (HOBSBAWM, 2014, p. 130-131) Túmulo de Napoleão, Museu das Armas. Fotografia: Rafael Dantas. REFERÊNCIAS: CARVALHO, Abilio. No bicentenário da Batalha de Waterloo ou de de Belle Aliance. Acesso em 05. set. 2015. CAWTHORNE, Nigel. Os 100 Maiores Líderes Militares da História. trad. Pedro Libânio. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010. CAWTHORNE, Nigel. As Maiores Batalhas da História: Estratégias e Táticas de Guerra que Definiram a História de Países e Povos. trad. Glauco Dama. São Paulo: M. Books, 2010. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. trad. Pilar Satierra. São Paulo: Tahyu, 2005. CUMMINS, Joseph. As Maiores Guerras da História. trad. Vania Cury. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012. GILBERT, Adrian. Enciclopédia das Guerras: Conflitos Mundiais Através do Tempo. trad. Roger dos Santos. São Paulo: M. Books, 2005. HOBSBAWM, Eric J.. A Era das Revoluções, 1789-1848. trad. Maria Tereza Teixeira e Marcos Penchel. 33 ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2014. NETO, Lira. Os amores de Napoleão. Acesso em: 3 set. 2015. SILVA, Alberto da Costa e. As marcas do período. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz (dir.). Coleção História do Brasil Nação: 1808-2010: Crise colonial e independência, 1808-1830. Rio de Janeiro: Objetiva, vol. 1, 2014. SOUSA, Rainer. As amantes de Napoleão. Acesso em: 13 mar. 2014. UJVARI, Stefan Cunha. A história da humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos. 2 ed., 2ª reimpressão, São Paulo: Contexto, 2012. VINCENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002. WHITE, Matthew. O grande livro das coisas horríveis: a crônica definitiva das cem piores atrocidades da história. trad. Sergio Moraes Rego. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. IMAGEM(NS): Buscou-se informações para creditar a(s) imagem(ns), contudo, nada foi encontrado. Caso saiba, por gentileza, entrar em contato: contato@incrivelhistoria.com.br Eudes Bezerra37 anos, recifense, graduado em Direito e História. Diligencia pesquisas especialmente sobre Antiguidade, História Militar, Crime Organizado e Sistema Penitenciário. Gosta de ler, escrever, planejar e executar o que planeja. Tags usadas: cães de guerra era napoleônica Veja tambémCaporegime: Entre o Don e o gatilhoBombardeio com as mãos na Grande GuerraEstandarte do Espírito MongolSelo da câmara de Tutancâmon