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Guerras

O Concílio de Clermont e a Primeira Cruzada

No Concílio de Clermont, o papa Urbano II discursou inflamadamente e acabou por arrebatar cavaleiros da Europa para Jerusalém — começava a era das Cruzadas.


O papa Urbano II em Clermont
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Escrito por Eudes Bezerra
Leitura: 4 minutos
O papa Urbano II em Clermont
O papa Urbano II discursando para os cristãos no Concílio de Clermont, em 27 de novembro de 1095. Créditos: Papa Urbano II em Clermont (séc. XIX), de Gustave Doré.

Em 27 de novembro de 1095, em Clermont, no coração do reino franco (atual França), o papa Urbano II protagonizou o episódio que ficou conhecido como o Concílio de Clermont e, apesar de não ser necessariamente uma convocação militar, terminou por dar origem à Primeira Cruzada (1096-1099).

Entre tantas outras palavras, o santo padre teria dito com efervescência:

Ó, francos, vocês não são habilidosos cavaleiros? Deem um passo à frente! Na palavra do Santíssimo, seguirão e combaterão. E lutem contra a amaldiçoada raça que avilta a terra sagrada, Jerusalém, fértil acima de todas as outras. Glorifiquem suas peregrinações para o centro do mundo! Que os conhecedores da palavra entrem em Jerusalém portando o estandarte de Nosso Senhor e Salvador!”. (GOMES, 2005, p. 12)

1. As causas de Clermont

Uma série de motivos teria levado o papa Urbano II à conclamação da Cruzada. Disputas internas que pareciam nunca acabar, a preocupante expansão turca em direção à Europa, as restrições à fé cristã, o comércio estrangulado embora promissor… Cada europeu parece ter encontrado sua justificativa e assim, na direção da Terra Santa, partido, dando início ao que ficou conhecido como Cruzadas.

1.1 A decadência da muralha europeia e a expansão turca

Em 26 de agosto de 1071, um poderoso exército bizantino havia sido destruído pelos turcos seljúcidas na Batalha de Manzikert — o Sultão Alp Arslan venceu a batalha empregando a tradicional técnica dos arqueiros montados das estepes (similar às hordas mongóis) —. O próprio imperador bizantino, Romano IV Diógenes, foi feito prisioneiro e, apesar de logo ter sido liberto, acabou sendo assassinado quando regressava à capital do Império, Constantinopla.

Manzikert “formalizou” o marco do declínio militar do antigo herdeiro oriental do Império Romano, o que encheu de pavor os reinos europeus. Com Constantinopla cada vez mais fragilizada, fazia-se necessária tomar alguma atitude enérgica para prevenir-se do rolo compressor turco que espreitava a Europa.

1.2 Brigas intermináveis entre os próprios europeus

O novo imperador do Império Bizantino, Aleixo I, na intenção de conter os turcos, solicitou ao papa Urbano II ajuda para contratação de mercenários (ironicamente, a principal causa do declínio militar bizantino era o uso excessivo de mercenários), mas o papa Urbano II arguiu que cavaleiros francos poderiam representar melhor resposta.

Ocorria que o papa, além de ter pertencido a uma família de cavaleiros francos, encontrava-se há tempo incomodado com conflitos internos intermináveis na Europa, principalmente na França.

1.3 O forte sentimento religioso

Um fervoroso sentimento religioso também permeava as cidades e reinos cristãos da Europa Ocidental e o pontífice possuía planos: tomar a Terra Santa dos muçulmanos — os cristãos consideravam uma afronta à sua fé a posse destas terras por povos que eram tidos por infiéis.

Ainda, outros motivos de cunho religioso motivaram a ação papal: primeiro, as restrições ao exercício da fé cristã na região considerada sagrada, por meio das distinções de tratamento dispensados aos cristãos nos territórios controlados pelos seguidores do Islã; segundo, encontrava-se a parcial destruição da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, ocorrida durante a primeira metade do século XI, e tida como ato ultrajante de provocação.

1.4 Navegar é preciso, comercializar também

Além das motivações supramencionadas, também existia o comércio que cada vez mais ganhava impulso e o mar Mediterrâneo representava verdadeira chance de ouro para os comerciantes interessados em expandir seus lucros através de transações comerciais com o Oriente. A conquista de territórios ao oriente do Mar Mediterrâneo seria ideal para o estabelecimento e desenvolvimento de novas rotas comerciais.

Igualmente, a melhoria das tecnologias de cultivo e o crescimento populacional da Europa também consubstanciaram força motriz, para subsidiar aventuras expansionistas a partir do continente europeu.

2. Salvação e remissão dos pecados: em busca da Terra Santa

Consequentemente, em 27 de novembro de 1095, no Concílio de Clermont, o papa Urbano II, ao prometer a salvação dos que morressem no caminho de Jerusalém, assim como a remissão dos pecados dos que peregrinassem, justificou e timbrou sacramente a expedição como “guerra santa”, também fornecendo o ímpeto inicial que daria origem a séculos de guerras entre cristãos e muçulmanos — as quais têm seus efeitos sentidos até hoje.

“A proclamação da Primeira Cruzada capturou o imaginário da Europa Ocidental, especialmente na França. Os pregadores nômades espalharam a novidade e nada menos que cinco grandes exércitos viriam a ser enviados ao Oriente. Calcula-se que algo entre 30.000 e 70.000 combatentes tenham participado, em conjunto com aproximadamente 30.000 não combatentes, o que representou um desafio logístico sem precedentes desde a época romana”. (JESTICE, 2012, p. 72-73, grifo nosso)

REFERÊNCIAS:
FERNANDES, Fátima Regina. Cruzadas na Idade Média. In. MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2011.
GOMES, Beto. Em busca da purificação. Coleção Grandes Guerras: Cruzadas, como elas modificaram o mundo. São Paulo: Abril, n. 5, abr., p.12-15, 2005.
JESTICE, Phyllis G. História das Guerras e Batalhas Medievais. O Desenvolvimento de Técnicas, Armas, Exército e Invenções de Guerra na Idade Média. trad. Milton Mira de Assumpção Filho. São Paulo: M. Books, 2012.
VINCENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002.
WATERSON, James. Espadas Sacras: Jihad na Terra Santa, 1097-1291. trad. Giancarlos Soares Ferreira. São Paulo: Madras, 2012.
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Eudes Bezerra

35 anos, pernambucano arretado, bacharel em Direito e graduando em História. Diligencia pesquisas especialmente sobre História Militar, Crime Organizado e Sistema Penitenciário. Gosta de ler, escrever, planejar e principalmente executar o que planeja. Na Internet, atua de despachante a patrão, enfatizando a criação de conteúdo.

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